Aspectos filosóficos da narrativa do Ecce homo de Nietzsche: uma perspectiva em autoencenação
DOI:
https://doi.org/10.31977/grirfi.v20i3.1827Palavras-chave:
Autoencenação; Transvaloração; Perspectiva; Vontade de poder; Ecce homo.Resumo
O último livro escrito por Nietzsche, Ecce homo: como alguém se torna o que se é (1888), é uma de suas obras mais controversas, tendo sido tomada como sinal de prepotência, como autoexposição egocêntrica e como prenúncio do colapso que interrompeu sua trajetória intelectual em janeiro de 1889. As controvérsias foram alimentadas, em parte, pela peculiar narrativa encontrada no livro – ele conta a si sua vida e obra em tom elogioso e hiperbólico –, em parte, pelo fato de que a tardia publicação de Ecce homo, ocorrida apenas em 1908, favoreceu o contraste com o apócrifo A vontade de poder – reunião de anotações publicada em 1901 como ‘obra principal’ de Nietzsche. Nosso propósito neste artigo é refletir sobre as possíveis contribuições do teor ‘autobiográfico’ e ‘autocrítico’ de Ecce homo para o caminho de pensamento do filósofo alemão. Nossa hipótese é que a narrativa experimentada no livro possui uma íntima relação com temas precedentes da obra nietzschiana (sobretudo, o da perspectiva) e com a tarefa da transvaloração de todos os valores. Por meio de uma autoencenação, da colocação de um certo ‘Nietzsche’ em cena, o filósofo avança em sua crítica à metafísica – e à sua versão popular, a moral cristã – enquanto realça a mundanidade de sua perspectiva, seu caráter contingente e seu condicionamento pelas “pequenas coisas”, decisão que nos parece carregar uma relevante dimensão filosófica: Nietzsche assume a parcialidade e explicita o interesse envolvido em sua tomada de posição no seio da cultura.
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